Certa vez, em sessão com uma psicanalista que me atendeu durante algum tempo, ao mencionar a importância da prática de yoga no meu cotidiano e tentar aproximar isso da psicanálise, fui acusada, por ela, de que eu estaria tentando forçar esta relação. Isso já tem algum tempo, foi antes de eu começar a atender como psicanalista. De lá pra cá, venho me perguntando sobre isso a cada vez que me coloco a meditar, e a me analisar. E tive encontros com algumas pessoas, textos e aulas que foram me trazendo novos elementos para seguir pensando sobre isso.

Para este texto aqui, e sem a pretensão de esgotar o que poderia ser falar dessa relação que talvez eu esteja querendo forçar, pensei em começar pelo primeiro material que uma pessoa amiga (escritora e psicanalista) me indicou, chamado Freud and Yoga: Two Philosophies of Mind Compared*.O livro, que só encontramos em inglês, me interessou imediatamente pois eu me senti convocada a dar uma resposta à minha analista, ou melhor, a mim mesma que, diante da pontuação dela, precisei buscar.

Outros livros, conversas e experimentações chegaram, e estou tecendo esse caminho de fazer uma composição rigorosa entre dois mundos que podem estar tão distantes quanto podem sim, se aproximarem, para algum potente entrelaço.

Atualmente pratico yoga e psicanálise. Yoga como uma prática que se atualiza no corpo, e que vem através de uma relação com alguém que transmite as técnicas necessárias para o alcance de um estado diferente de percepção. Psicanálise como uma prática que se atualiza no encontro de corpos, numa relação transferencial que pode produzir efeitos surpreendentes. Em ambas as práticas, um exercício que pode ser clínico, político e ético. 

Como psicanalista, o Yoga é principalmente uma das ferramentas que utilizo para me preparar para atender as pessoas que me procuram e que confiam a mim essa escuta que precisa estar ali de alguma maneira desvinculada (esvaziada) do sujeito (Fabiana). Como yogini, a psicanálise é como essa ferramenta que sempre vai colocar em questão a função que o Yoga tem e pode ter na minha vida, como causa do meu próprio desejo. Ou ainda, nas palavras do Perci, “no lugar da imagem e do buraco, a dobra intensiva, o riso beatífico. Não o que se vê, mas a condição pulsional de ver. Ingressamos assim no campo do imperceptível, no elemento da força”(Schiavon, J. P., 2019, p. 175). Quero dizer com isso que há algo no yoga que diz de um elemento de força pessoal, e singular, por onde consigo acesso. 

Se pudermos deixar um pouco de lado as diferenças entre ambas as práticas, isso que ainda não sei bem dizer o que é, mas que também as distancia, e junto com Hellfried Krusche** (2014) quisermos começar a perceber as semelhanças, digo que, do ponto de vista freudiano (podemos olhar ainda outros) veremos:

“no yoga você fortalece a consciência praticando exercícios apropriados. Na Psicanálise usamos a linguagem para tentar tornar o inconsciente consciente passando pelo pré-consciente. Nos dois casos, usamos o veículo do relacionamento para conseguir isso” (p.15).

Essa é uma investigação muito pessoal em que vou alinhavando com o que de mais contemporâneo posso buscar na minha prática clínica e também yóguica. E muitas vezes, gostaria de aqui expor que, tomo yoga como espiritual. Uma prática que que vai buscar em Freud, Patanjali, Guru Nanak e Lacan seus fundamentos, querendo avançar com Deligny, Ligia Klark, Deleuze e Guattari, Roberto Simões, Carla Ferro e tantos poetas, psicanalistas e xamãs desse tempo, no território em que vivo e me movimento, atualizando e sendo atualizada, em constante devir. 

Por isso, eu sei, essa conversa está só no começo.

* O livro “Freud and Yoga: Two Philosophies of Mind Compared” foi publicado em 2 de dezembro de 2014. Nesta obra, o grande mestre de yoga T.K.V. Desikachar e o eminente psicanalista Hellfried Krusche exploram quarenta ditos clássicos, ou sutras, sob a perspectiva de suas respectivas disciplinas. Através de conversas claras e francas, ilustradas por estudos de caso da clínica e do shala, esses dois especialistas explicam os conceitos, termos, forças e processos em suas tradições.

** Este autor pratica yoga há cerca de 35 anos. De 1993 a 2012 trabalhou com o mestre indiano de yoga TKV Desikachar de Madras, Índia, estudando as semelhanças e diferenças entre yoga e psicanálise.